Os revezes contra o político chamado de Mito pouco devem abalar a base de fãs, que oscila entre a militância e a adoração.
Jair Bolsonaro vai ter pela frente longos meses de idas e vindas a tribunais, de tentativa de linchamento moral por parte de opositores e até de segmentos da comunicação, e de escrutínio público para uma série de atos do passado recente. Essa perspectiva já deu a alguns textos, escritos ou verbalizados, o tom de decreto de funeral político do ex -presidente. Desconfie de quem já esteja colocando uma lápide eleitoral nas pretensões dele ou da ala ideológica que ele representa – e que muitas vezes se julga o plenipotenciário líder. Todos esses fatos, ao contrário, tendem a fortalecer a direita no país.
Tudo isso porque o conservadorismo, que sempre existiu no Brasil, era silencioso – para não dizer envergonhado. Só que, nem por isso, menos legítimo do que outras formas de perceber o mundo, em suas relações comportamentais, na economia, nas crenças religiosas, e nos embates de costumes. Os vieses de direita sempre estavam aí, embora não gozassem de carinho da quase totalidade dos formadores de opinião e do que se convencionou chamar de a intelligentsia nacional. Hoje, os direitistas encontram abrigo em plataformas de redes sociais, em siglas partidárias, em bandeiras políticas, em confrontos – de ideias, ou mais que isso.
Veja bem: hoje não é raro ver manifestação de direita, virtual ou presencial, com os membros mostrando a cara (não pintada), sem receio de não aparecer bem na fita – ou na mídia.
Os reveses contra o político chamado de Mito pouco devem abalar a base de fãs, que oscila entre a militância e a adoração. Ao contrário, devem galvanizar sentimentos como injustiça, perseguição, retaliação, que já funcionam como recursos quase perenes na rede dos seus seguidores.
A recente eleição de Donald Trump parece um convite para igualar a trajetória de ambos. Lá, ele foi quase preso. Condenado por fraude contábil ao sinalizar gasto de campanha para o pagamento de uma ex-atriz pornô, e ainda réu em três processos. O final da história já foi vivido pela parte norte do continente. Aí, os aliados já projetam (e torcem por) um cenário semelhante abaixo da Linha do Equador.
A política vai colocar narrativas opostas, esgarçando ao máximo o tecido de argumentos. Ou seja, mais munição para a guerra política dos extremos. De um lado, vai ser colocado praticamente como se o ex -presidente tivesse tentado puxar o gatilho literal contra um adversário. Do outro, vão usar a imagem de um perseguido por todas as forças reais ou imaginárias do sistema, como se fora a reedição do calvário de um messias.
O ex-presidente já tinha sido indiciado pelos episódios de apropriação de joias milionárias presenteadas pelo governo da Arábia Saudita e também pela suspeita de adulteração no cartão de vacinação. Independentemente do grau de dano dessas acusações, de serem crimes ou delitos, os dois atos não parecem ter mobilizado a opinião pública. É difícil definir se a população considera legítimo o mandatário exercer a posse dos presentes ou se há a impressão de que muitos acham lícito fraudar o cartão de vacina. Em outras palavras, “apenas uma fraudezinha”.
Obsediado por processos jurídicos, Bolsonaro sai de cena sem deixar o palco, ou sai do palco sem deixar de dirigir a peça. Os ungidos da família, sanguínea ou a ideológica, vão caçar palanque no vácuo de um candidato retirado.
Michele Bolsonaro, Flávio Bolsonaro, Tarcísio Gomes de Freitas são nomes de DNA facilmente associados ao ex-presidente. Mas também o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e o astuto Pablo Marçal reivindicam parte do espólio desse capital político.
Todos esses nomes simultâneos, buscando protagonismo… você já entendeu: a direita fica forte e múltipla e começa a mirar o centro.
Enquanto isso, o governo vai passar o ano que vem inteiro tropeçando entre ajuste de gastos, taxa Selic, inflação, desgaste natural do terceiro ano, efeitos da guerra no câmbio e na balança comercial. Vai ser pressionado pelo Parlamento. Tudo isso ajustando mais brilho ao holofote da oposição.
Nos bastidores, muito se comenta que o próprio presidente Lula demonstra ser contrário à prisão do principal adversário eleitoral dele. Não por solidariedade pessoal. Mas por considerar que esse ato pode representar o ovo da serpente. Se essa informação for verdadeira – e tudo indica que seja – percebe-se o motivo de Luiz Inácio ser o animal político de faro apurado, desde muito antes de dormir a primeira noite no Palácio do Alvorada.