Argentinos só falam de Bolsonaro: 25% do crescimento econômico do país depende do Brasil

Um dia após o resultado na eleição do Brasil, o motorista de aplicativo no aeroporto internacional de Ezeiza, em Buenos Aires, após as amenidades de praxe sobre clima, comenta numa frase tão aberta quanto um bife de chorizo bem passado: “e o Bolsonaro, hein…” A curiosidade ambígua do profissional liberal portenho não é isolada. Na noite de 29 de outubro, pelo menos cinco programas de televisão na Argentina dedicavam algumas horas a tratar o que chamam de “Efeito Bolsonaro”.

A mídia impressa não fez menor. A edição de terça feira de El Clarin, o de maior circulação na Argentina (com mais de 240 mil exemplares auditados), dedicou a capa e cinco páginas internas a debater a ascensão de Bolsonaro e  possíveis mudanças na política externa.

O tradicional La Nacion, fundado em 1870, por Bartolomeu Mitré, com tiragem alegada de 160 mil exemplares diários, ofereceu uma página dupla e mais duas extras para analisar as perspectivas pós Bolsonaro. Uma delas fez resumo da trajetória política dos filhos (“clan poco tradicional”), além de um afetuoso perfil da futura primeira dama. Chamou Michelle Bolsonaro de “evangélica fervorosa e apreciadora do perfil discreto”.

A principal questão nas conversas, televisionadas ou não, é o futuro do Mercosul e das relações comerciais e políticas entre o maior país da América e a Argentina. O Brasil é o principal destino das exportações argentinas: 10 bilhões de dólares ao ano.

Segundo o Clarin, veículo considerado de extrema-direita, cada dólar que o PIB brasileiro cresce representa aumento imediato de 0,25 dólares na Argentina. É quase como um crescimento vegetativo e qualquer desequilíbrio nessa conta pode representar uma débâcle ainda maior nas já cansadas finanças portenhas.

Não é exagero falar em um sentimento de tensão. Dois fatores determinam a preocupação – excessiva apenas à primeira vista. O primeiro deles foi a declaração do futuro superministro Paulo Guedes: “Argentina e Mercosul não são prioridades”. Sobre isto, o próprio chanceler argentino, Jorge Faurier, fez questão de apagar incêndio. “É preciso colocar esta relação em perspectiva, já que esse ano completamos 30 anos de integração bilateral”, contemporizou para a imprensa.

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O outro fator estava impresso nos periódicos e expresso nas legendas dos debates noturnos via satélite: “Bolsonaro não inclui a Argentina em sua primeira viagem como presidente”. Desembarcar no Chile como primeira parada da excursão oficial soou como um acorde desafinado no charmoso subsolo do Café Tortoni, cenário de coreografias de tango.

Trata-se menos de ciúmes do que temor com acordos comerciais. Ainda mais após os jornalistas ligarem os pontos com elogios do futuro chefe da Casa Civil a um país vizinho. “O Chile é a grande referência latino americana: tem boa educação, cria tecnologia e hoje comercializa com o mundo todo. Precisamos ter humildade pra seguir esse exemplo com atenção”, disse o atual deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM).

As análises todas apontam para uma tentativa de aproximação com Sebastian Piñera, o empresário, ex-ministro das finanças de Augusto Pinochet, presidente do Chile em segundo mandato. Os números da primeira gestão, iniciada em 2010, do economista de centro-direita são de fazer calar qualquer defensor das estratégias bolivarianas: crescimento médio de 5,3% ao ano e redução do desemprego de 11% para 6%.

Com o que parece ressentimento dos periodistas hermanos, o embaixador argentino no Brasil, Carlos Magariño, minimizou dizendo que as declarações dos brasileiros foram prestadas “no calor da campanha”. A diplomacia começou a agir de todos os lados possíveis. Logo após Bolsonaro revelar ao La Nacion, ainda antes do 2º turno, que gostaria de conversar com Mauricio Macri, o telefone tocou com uma chamada diretamente da Casa Rosada. Os jornais não divulgaram o teor da conversa, mas demonstraram certo otimismo.

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Outra chilena apareceu como protagonista desse tabuleiro de xadrez latino. Adversária de Piñera, a socialista Michele Bachelet, ex-presidente por duas vezes, e alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos,  declarou que irá prestar “muita atenção ao Brasil a partir de agora”. 

De vendedores de frutas a sociólogos, a sociedade politizada da Argentina adotou o assunto com mais ênfase do que a semifinal das Libertadores, entre Grêmio e River Plate, e a comemoração pelos 35 anos da abertura democrática – desde que Raul Alfonsin chegou ao poder.

O articulista do Clarin, Miguel Wiñazki, destacou no editorial La Filosofia del Brasil que Bolsonaro é “imprevisível”. Já o garçom no café da Avenida Santa Fé, animado com a gorjeta em generosos pesos, misturou um portunhol ao ver o interesse do cliente por manchetes com Bolsonaro nos jornais: “está contente? Sin corrupcion?” Si, si, no pasa nada.

* especial de Buenos Aires

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