Super Drags, animação para irritar Bolsonaro: a mais relevante produção audiovisual do país em 2018

O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, não deve ficar feliz ao tomar conhecimento que a principal produção audiovisual do Brasil em 2018 é uma animação com heroínas purpurinadas que são… drag queens. Na mesma sexta (9), em que o político afirmava que o ENEM deve tratar “sobre o que interessa” (refutando, por exemplo, questões que presumem conhecimento do “dialeto” LGBT), a Netflix lançava mundialmente a série SuperDrags, produzida por brasileiros e direcionada a público acima de 16 anos.

A obra é mais redentora das minorias do que qualquer protesto #EleNão. Justamente porque ataca pelo humor. Sobra até para a imprensa e para os comentaristas “reaças” de televisão, representados pelo intragável Sandoval. Antes mesmo de estrear, tornou-se a produção internacionalmente mais relevante, no ano em que o Brasil teve até filme inspirado nos fatos reais da Operação Lava Jato.

O desenho para adultos tem música-tema e dublagem de Pablo Vittar, na personagem Goldiva. A primeira temporada foi lançada com cinco episódios que destacam as aventuras das personagens Safira, que representa o coração e se chama Ralph na vida comum, Lemon, o gordinho Patrick que é o cérebro do trio, e Scarlet, a força e agilidade que também atende como Donizete.

Tudo é afetação e fúria justiceira em Super Drags, tentando corrigir qualquer ameaça direito de expressão ou tentativa de patrulhamento. O duplo sentido erótico está presente em praticamente todos os diálogos. E aparece no campo de força preservativo ou em “a água vai estragar meu babyliss”, ou nos volumes genitais bem delineados e realçados em calças justas dos personagens.

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Um momento de muita tensão é a batalha de LipSync contra o monstro rival, formado por corpos fundidos em uma suruba. A abordagem a um dos vilões tem ares de ameaça politicamente correto: “seus dias de homofobia acabaram”. Basicamente, quem não é gay assumido e declarado é insinuado em sua porção mulher que até então se resguardara.

Donizete vira Scarlet, elementos fálicos pululam em primeiro e segundo planos, enquanto referências a Meninas Superpoderosas, Sailor Moon, Power Rangers explodem em cores saturadas na tela. A direção e criação é de Fernando Mendonça, o também dublador de Scarlet.

É interessante notar também a questão cultural de uma obra feita no Brasil, mas com pretensões mundiais. A referência a Sérgio Reis na versão brasileira vira ao cantor country Garth Brooks na americana. E também quando “She sounds like a crow” é a tradução para “tem aquela voz de taquara rachada”.

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Um dos episódios impagáveis propõe A Cura Gay.

Em julho, ao ser anunciada como a primeira animação brasileira da Netflix, a série sofreu críticas por parte de pediatras. A Sociedade Brasileira de Pediatria divulgou nota condenando a atração: “em nome de cerca de 40 mil especialistas na saúde física, mental e emocional de cerca de 60 de milhões de crianças e adolescentes, vê com preocupação o anúncio de estreia, no segundo semestre de 2018, de um desenho animado, a ser exibido em plataforma de streaming, cuja trama gira ao redor de jovens que se transformam em drag queens super-heroínas.”

Clique e leia a matéria de O Globo “Animação sobre super-heroínas drag queens é atacada por pediatras: ‘Imprópria para crianças'”

A filósofa norte-americana Judith Butler já antecipava na tese Problema de Gênero: feminismo e subversão, de 1990, que a identidade sexual não seria inata, mas fabricada, sem precisar obedecer a natureza biológica. Questões relacionadas a gênero e desejo sexual poderiam estar além da genitália corporal para serem observadas em gestos performáticos (trejeitos, gesticulações, afetações), linguagem e atitudes.

Bem diferente da forma como parece pensar o presidente eleito Bolsonaro, além de boa parcela dos 57 milhões de brasileiros que consideraram ele a melhor opção para liderar o país.

Antes mesmo da estreia, o deputado federal acreano Alan Rick (DEM) publicou nota de repúdio ao desenho: “A psicologia e as leis reconhecem a necessidade de respeitar a fragilidade psicológica das crianças, razão pela qual a constituição determina a classificação indicativa de programa de televisão e rádio (art. 220), e o Estatuto da Criança, em seu artigo 79, determina que toda publicação dirigida ao público infanto-juvenil respeite os valores éticos da pessoa e da família. O que estamos vivenciando e confrontando no Congresso são tentativas sórdidas de influenciar sexualmente nossas crianças”.

Sem citar o deputado, a Netflix divulgou, no dia seguinte, formas de controlar o acesso ao serviço de streaming, a partir da classificação indicativa, através da ferramente de controle dos pais. E também disse que “nem tudo é para todo mundo, e quem controla é você”.

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