Que tal substituir eleições por sorteio? Parece loucura, mas estudiosos consideram a salvação da democracia

Especialistas consideram que nosso sistema de voto funcionou bem por décadas, mas agora parece falido. Argumentam que há um caminho melhor que eleições para dar voz ao povo.

Já pensou aquele seu vizinho que nada entende de economia ser escolhido como deputado federal? Ou aquela ex-namorada que sequer sabia as razões para ser chamada de empoderada feminazzi, de repente, ela é senadora. Já pensou se a caixa do supermercado, de um dia para o outro, chegasse a vereadora, levando com ela aquele esmalte escarlate, sob o nome Fogo & Paixão? O que para você pode ser um pesadelo, para muitos no mundo é um sonho. Um sonho de democracia, melhor do que eleições diretas.

[su_quote]   O que aconteceria se nossos governantes passassem a ser escolhidos por sorteio entre cidadãos, e não por eleições?”[/su_quote]
Essa pergunta é proposta pelo pesquisador inglês Brett Hennig, como forma de salvar a democracia. Ele já foi motorista de táxi, engenheiro de software, professor de matemática e finalizou o PHd em Astrofísica, antes de ser co-fundador e diretor da Sortition Foundation, cuja missão é divulgar pelo mundo as ideias seleções aleatórias para cargos de governantes, sobretudo parlamentares.

[su_quote]   Para os defensores do modelo “sortition”, a democracia será melhor preservada se for liberada de pressões da mídia, propagandas, lobbys, candidatos com excesso (ou falta) de carisma e disputas econômicas que envolvem as eleições atualmente.[/su_quote]

A palestra de Hennig, autor do livro The End Of Politicians: Time for a Real Democracy (O Fim dos Políticos: tempo para uma democracia real), foi realizada no evento TEDx Danubia, na Hungria.

Assista o vídeo completo (em inglês)

 

“Como nós desejamos viver juntos, como devemos fazer as leis que nos governam?”

 

Hennig começa com este questionamento para voltar mais de 25 séculos na história até o sistema de democracia ateniense, do século VI antes de Cristo. Escolha por sorteio entre os homens com mais de 30 anos que estivessem aptos era um modelo comum.

 

Nos tempos modernos, há exemplos de formação de júri nos Estados Unidos e Reino Unido. Em 2004, uma Assembleia de Cidadãos para Reforma Eleitoral foi formada na Columbia Britânica pelo método. A comunidade Amish (um grupo considerado radicalmente cristão, com predominância nos EUA e Canadá) adota o modelo para escolha de líderes que tenham colocado os nomes para avaliação. Há exemplos similares na Bolívia e na Dinamarca.

 

Temer e Cunha no Congresso

Michel Temer e Eduardo Cunha: o Brasil teria esses deputados em caso de “sortition”?

 

Em junho de 2016, o jornal inglês The Guardian publicou um longo artigo do belga David Van Reybrouck, sob o título “Por que eleições são ruins para a democracia” (Why elections are bad for democracy). Reybrouck havia escrito Contra as Eleições, um ensaio de 170 páginas, cuja conclusão era de que eleições não apenas estão deixando de favorecer a democracia, mas também destruindo aspectos importantes dela. Para ele, uma espécie de loteria seria um instrumento mais democrático que o atual.

 

Síndrome da Fadiga Democrática é como ele classifica os sintomas, como menos cidadãos votando (principalmente nos EUA e europa sem voto obrigatório), e menos cidadãos se engajando em partidos políticos. Ele alerta que o conceito de democracia existe há praticamente 3000 anos, enquanto as eleições propriamente ditas só apareceram 200 anos atrás.

 

Reybrouck é um premiado historiador e arqueólogo da Bélgica, país que após 2011 ficou 541 dias sem governo – recorde mundial –, dividido em duas bolhas: a socialista, maioria no sul francófono e na capital Bruxelas, e a nacionalista, no norte neerlandófilo. Não há Senado eleito desde 2014 e parte do executivo foi transferida para as administrações locais.rnVeja o vídeo em Reybrouck explica suas ideias (em inglês)

Outro autor interessado no tema é o professor de Ciências Sociais da Universidade de Stanford, James Fishkin. Ele não é apenas teórico: organizou dezenas de amostras deliberativas em todo o mundo. No estado americano do Texas, sorteou cidadãos para deliberar sobre energia renovável, tema pouco familiar para um estado produtor de petróleo. Após a implantação do modelo com cidadãos sorteados, subiu de 52% para 84% o percentual de pessoas favoráveis à utilização de energia limpa. Desde 2007, o Texas é o principal estado norte-americano em energia eólica.

 

Fishkin considera que os sorteios diminuem as influências externas sobre a escolha dos cidadãos. Ele propõe que não apenas votem nos políticos, mas discutam com eles e com os especialistas – tudo está explicado no livro Democracy When People Are Thinking (Oxford University Press).

 

Há regras para tais sorteios. Cada projeto deliberativo deve decidir a composição do painel de cidadãos. O inconveniente da autosseleção é que só aparecerão homens eloquentes, qualificados, brancos e com mais de 30 anos. Com o sorteio, haverá mais diversidade e legitimidade. A sugestão de Reybrouck é uma mistura de sorteio e autosseleção.

As experiências mais recentes foram na Irlanda e na Islândia, países com taxas de engajamento político acima da média mundial. Sugere então um sistema em que uma câmara de cidadãos sorteados convive com uma de eleitos, “uma terapia relacional entre governantes e governados”. Para ele, cidadãos sorteados aleatoriamente já têm poder hoje: eles compõem toda pesquisa de opinião, feita com amostragens randômicas. Pesquisas tornam-se um fato político em si.

 

O filósofo suíço, escritor e cientista político autodidata, Jean Jacques Rousseau, sugeriu em O Contrato Social que os cidadãos se consideram livres apenas durante as eleições; passadas elas, voltam a ser escravos.

Entender que outros exercícios democráticos existem pode ser uma importante ferramenta para romper velhas práticas: as correntes que impedem a verdadeira cidadania.

 

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