Do Camaleão a Escola Concept – Aloysio Adolfo Nery desabafa sobre a dificuldade de empreender em Salvador

Um dos homens responsáveis por, há 40 anos, mudar a forma de ganhar dinheiro com o carnaval avisa que “a axé music não conseguiu renovar as bandas – e nem os empresários”. Um dos homens dedicados a inserir novas formas de ensino na capital lamenta “a Bahia ter uma gigantesca desigualdade” e que só “levando educação de qualidade para mais gente podemos sair do ciclo vicioso”. Eles são a mesma pessoa.

Aloysio Adolfo Borges Nery já pode falar com a autoridade de um dos mais influentes em Salvador. Pouco menos de 60 anos atrás, quando o pai e a mãe tinham um sonho de educar seis filhos – e migraram de Jaguaquara para o bairro de Ondina – ele era obrigado a reconhecer: “Não é uma adaptação fácil”.

O Camaleão já nasceu grande

Os irmãos Nery, vindos do interior, ficaram notórios pela influência no mercado do entretenimento, do carnaval, e também da educação na capital. O Bloco Camaleão, uma entidade que, junto ao Chiclete com Banana, terminou absorvida como experiência de vida para dezenas de milhares de foliões em quatro décadas, surgiu exatamente do grupo de amigos de Ondina e foi favorecido pelas relações conquistadas nas atividades como professores. Não era mais um bloco de bairros como os outros, mas de toda cidade.

[su_quote]   O Camaleão já nasceu grande. Na época, bloco grande tinha mil pessoas e o Camaleão já começou com destaque nesse ano”.[/su_quote]

Adolfo Nery – o segundo nome ficou mais marcado como Dolfinho da área do entretenimento – defende a inserção da prática até então inédita: vender o bloco no ano todo. Antes, a comercialização se resumia aos 30 dias prévios ao carnaval. Construíram um grupo de delegados, que eram os agentes de vendas.

A filosofia era trazer para o Camaleão os seus amigos. Os delegados conseguiram a venda antecipada e isso gerou recursos para a gente investir em trios, instrumentos e bandas”, confidenciou ele no Aratu Talks, a iniciativa da Aratu para valorizar expoentes dos negócios na Bahia.

“Nos diferenciamos do mercado que, na época, era muito amador”.

Foliões seguem o bloco Camaleão no Carnaval de Salvador

No auge, Camaleão e Chiclete com Banana eram as marcas mais valiosas do carnaval baiano

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Contratação de Luiz Caldas

A primeira grande contratação do bloco foi o jovem Luiz Caldas, que ficou durante cinco anos. Deu numa explosão nacional de uma estrela aos 21 anos. Depois disso, foi a redenção da banda Chiclete com Banana, uma atração popular que, junto ao Camaleão, se metamorfoseou em um produto para também turista consumir.

Aloysio Adolfo é o retrato do tempo em que a indústria da música no estado ia de A a Z. “O Bahiano de Tênis não queria abrigar o Chiclete em um show porque era muito popular para o ambiente aristocrático do clube”. O bloco atendia exatamente ao perfil dos conselheiros, mas precisava expandir e a banda era a chance de popularizar.

E então foi construído um produto de massa, que também atraía a elite. Não é raro advogados, médicos e executivos ostentarem fotos com recordações de passagens do bloco, que completou 40 anos. Grandes profissionais da Bahia e do Brasil.

[su_quote]   O fenômeno sertanejo tem relação com o axé porque o grande boom do sertanejo veio com esse mesmo pensamento: tocar a minha (música), mas também o sucesso dos outros”.[/su_quote]

Não existe local apropriado para eventos em Salvador

O empresário insinua que faltou profissionalização no meio.

Estamos perdendo o DNA do axé. O começo foi a perda de espaços. Salvador com 3 milhões de habitantes não tem um local apropriado para fazer um evento. É um sofrimento fazer uma festa grande. É difícil montar estrutura de sustentabilidade”, lamenta. “No modelo anterior, o empresário tinha uma certa previsão de que os custos seriam compatíveis com a receita. Não fomos capazes, pela visão distorcida dos agentes públicos, de criar espaços.”

[su_quote]   Não se faz festa no Wet´n Wild para duas mil pessoas. Com isso, a dificuldade de revelar novas bandas e novos empresários. Eles também precisam ser renovados, mas a cidade não oferece estrutura. O axé foi responsável por uma renovação da música brasileira, mas internamente a cidade não foi preparada para tocar essa renovação necessária.”[/su_quote]

O Camaleão é de 1978

Já o professor Aloysio começou a ensinar em 1977, quando ainda era estudante universitário. É ele que está preocupado com o futuro da educação em sentido lato, e da educação na Bahia, em sentido estrito. “A escola não pode deixar de existir, para estimular as convivências e estimular as competências. É um momento de exercício de relacionamentos, crescimento do grupo no mundo individualista”.

Assista a entrevista na íntegra:

O educador considera que esse alerta é muito mais do que conversa tola de pedagogo: é um aviso sobre a quantidade de oportunidades desperdiçadas.

[su_quote]   Salvador é uma cidade difícil de empreender, porque é uma cidade muito desigual: maior índice de desemprego do Brasil, ocupações não controladas nas décadas passadas. Salvador precisa de um olhar muito firme para se melhorar a questão da educação. Isso não acontece a curto prazo. Eu fui aluno de escola pública (Severino Vieira e Central), que tinha estruturas excelentes”.[/su_quote]

Sócio do Sartre (instituição prestes a completar 50 anos, com a parceria do grupo COC), ele resolveu topar o desafio de iniciar por Salvador a chamada escola do futuro. Dessa forma, nasceu a Concept, com outra filial em Ribeirão Preto, e um grande interesse nacional pelo modelo adotado. Enquanto o Sartre, surge em 1969, como um curso pré-vestibular, virando colégio a partir da turma do 3° ano científico, a Concept nasceu ao contrário, crescendo a partir do infantil.

“Nós temos um extremo desafio, mas a educação é a única possibilidade. É preciso que a gente invista toda nossa energia nesse quesito educação para que a gente saia desse estado, onde poucos são os que têm oportunidade. A gente consegue oferecer educação de alta qualidade, mas só para um grupo muito pequeno”, diz ele, que gosta de se afirmar como oriundo de Jequié e Jaguaquara, no sudoeste da Bahia, e foi agraciado com o título de cidadão soteropolitano, em 2012, honraria proposta pelo então vereador Pitangueira.

[su_quote]   Temos que ter um projeto público de educação de qualidade para a gente sair dessa armadilha que a vida nos trouxe: as pessoas não estudam, por isso não têm oportunidade, como não têm oportunidade não constroem nada diferente, aí vivemos nesse ciclo que nos colocam como campeão de desemprego – e de violência. A gente precisa ser otimista, mas a gente precisa trabalhar muito ainda” [/su_quote]

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