“O presidente está chegando. De paletó cinza e camisa vermelha lisa”: o que acontece ao passar meia hora com Lula

Todas as fotos emblemáticas, emotivas, quase míticas, esteticamente perfeitas, que você viu do presidente Lula nos últimos 16 anos têm um autor: o nome dele é Ricardo Stuckert. Seguramente, entre os não políticos de sua comitiva, Ricardo (Stuquinho, ou Richard, a depender de quem chame) é o mais próximo de Luiz Inácio Lula da Silva, 72 anos, 35° presidente brasileiro, entre 2003 e 2010.rnrnÉ ele quem o acompanha na academia, é ele quem recomenda a troca de paletó, é ele quem aplica todas as dicas pra que Lula saia bem na foto. Daqui a oito minutos, é ele quem chegará com um papel onde estão rabiscados apenas dois nomes em letras garrafais (Pablo e Mateus) e colocará na mesa de centro em frente a Lula.

Nesse momento, é ligado o botão do animal político. Lula é um monstro.rnrnAo dar uma entrevista a dois jornalistas que ele jamais tinha visto, chamando-os pelo nome, o político que é réu em sete ações penais, já condenado em uma delas, em segunda instância, a 12 anos e um mês de cadeia, só faz ganhar. Ele agrada a quem está perguntando, agrada a quem está assistindo.

Lula sabe tudo sobre entonação, modulação de voz, semântica, interpretação de fatos, metáforas, inconsciente coletivo. Lula fala com frases simples e diretas: pode ser um José ambulante, uma Daisy promotora, um Sérgio economista, uma Cláudia arquiteta, ele será entendido por qualquer um. Cria imagens mentais capazes de levar as pessoas para cenas e/ou ativar sentimentos de ira ou amabilidade, a depender do objetivo. Lula não faz um discurso político, Lula faz uma narrativa capaz de envolver o público de A a Z. Para qualquer sentido que for adotada a palavra, Lula é o maior político da história do Brasil.

Duas imagens de Lula e Everton, por Ricardo Stuckert (2006/2017): fãs usam essas fotos como perfil de Whatsapp

Em pouco mais de meia hora, o pernambucano sem diploma universitário que já recebeu nove títulos de doutor honoris causa, por universidades brasileiras e estrangeiras (e outras 300 condecorações), vai responder se tem medo de ser preso. Até lá, todos os detalhes dos bastidores dizem um pouco sobre a personalidade e o estilo do homem que é chamado de “amigo” em planilhas de caixas dois, segundo Marcelo Odebrecht, e chamado de “the man” (o cara), pelo ex-presidente americano Barack Obama, numa reunião do G20, em 2009.

Com um pouco mais de conversa e aproximação, um dos assessores do Instituto Lula conta sobre o estado de ânimo do político. Diz que ele parece bem disposto para a idade (Lula tem rotina de ir na academia nas primeiras horas da manhã e gosta de tomar whey protein), dorme tarde e acorda cedo. Esse mesmo colaborador relatou a impressão pessoal sobre quando testemunhou a audiência com o juiz Sérgio Moro. “Eu senti que Moro é um homem triste”, confidenciou.

Equipe da Aratu com Lula: duas pessoas declararam voto ao ex-presidente e duas pessoas disseram não votar; tente adivinhar (foto de celular: Ricardo Stuckert)

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Outra figura jurídica bastante comentada, inclusive pelo próprio réu, é a do procurador da República paranaense Deltan Dallagnol, de 38 anos. Lula e defensores insistem em má-fé na apresentação da denúncia pelo powerpoint e na pretensa frase do acusador, que teria dito “não ter provas, apenas convicções”. Mesmo virando um meme e bastante difundida, a frase não foi exatamente essa.

Na entrevista coletiva, as declarações de Dallagnol foram as seguintes: “Provas são pedaços da realidade, que geram convicção sobre um determinado fato ou hipótese. Todas essas informações e todas essas provas analisadas como num quebra-cabeça permitem formar seguramente a figura de Lula no comando de um esquema criminoso identificado na Lava Jato”.

Muito mais do que o gosto duvidoso das cores dos slides usados na denúncia, o acusado reclama é da trajetória do acusador. “Tenho 72 anos de idade, tenho uma história de vida e de luta nesse país. Não aceito que um menino que tem como mérito concluir um curso de Direito e passar três anos estudando para passar num concurso vá e diga que o PT é uma organização criminosa, que o Lula é a pessoa mais importante, o chefe, que tem que ser punido. Se tem alguma coisa contra mim, apresente prova concreta. Na minha opinião, um menino desse tem que ser exonerado a bem do serviço público”, dirá Lula, num momento mais exaltado da entrevista.rnrnMinutos antes, Stuckert avisara ao cinegrafista Cacau Ramos, da Aratu: “o presidente já está aqui, ele está vindo de paletó cinza e camisa vermelha lisa… pra se quiser ir batendo o branco”.

Ele também colocara dois origamis de cactos sobre uma caixa de som dois metros a frente da cadeira do entrevistado, como se quisesse montar uma imagem de primeiro plano para as futuras fotos.rnrnO ex governador Jaques Wagner chega um pouco antes pedindo desculpas pelo atraso: é que o presidente está dando uma entrevista para o (jornal francês) Le Monde Diplomatique.

Wagner parece animado com as atividades do dia (Lula discursara no Congresso Internacional Parlamentar na Alba e fizera reuniões políticas), mas adota um tom comedido. Usa uma camisa branca de botões, que lembra o figurino de um chefe de expedição enviado para reconhecer e mediar territórios em conflito.

“Ninguém está preparado para a prisão. E eu acho que não vou ser preso. Eu já não tenho mais idade para aceitar meninos mentindo a meu respeito” (foto: Maiane Nogueira)

Quando o ex-presidente adentra na sala do 12° andar do Sheraton/Hotel da Bahia, as luzes LED para a gravação já estão acesas, as câmeras posicionadas, a taça com água mineral já está colocada na mesinha de centro, falta apenas colocar o microfone no entrevistado e testar o áudio. É nesse momento em que o político faz algumas perguntas, comenta sobre Alagoinhas e avisa a alguém da comitiva – em tom de lembrança – que a filha de um amigo em comum, finalmente, conseguiu uma colocação na fábrica da Itaipava na cidade.

A assessoria garantira dez minutos de entrevista (que virariam 27 minutos), em função de outra entrevista e mais uma reunião na sequência. Além de críticas ao judiciário e elogios aos aliados, Lula concentrou o discurso em luta de classes. Citou o fato da República Dominicana ter a primeira universidade em 1538 e o Brasil ter sido o último país da América Latina a ter uma universidade, em 1920. (O levantamento ignora, por exemplo, faculdades isoladas, como a de Medicina da Bahia, em 1808).”

A elite brasileira foi perversa a vida inteira. Ela nunca se importou com o povo mais humilde, nunca se importou com o povo trabalhador, nunca se importou com aquele lá de baixo. Só se importou com aqueles da casa grande. E eu quero acabar com essa tal de casa grande e quero que o povo pobre viva bem”, desafiou Lula. Minutos antes, o assessor dele, José Chrispiniano, tinha comentado sobre essa pesquisa no Instituto Lula a respeito das universidades. Falou detalhadamente sobre os anos de fundações. Mas nem todo o conhecimento histórico seria capaz de empregar a ênfase e a clareza adotadas por Lula. Os principais trechos da entrevista estão a seguir:

MARIELLE FRANCO

Eu tive a oportunidade de falar agora por telefone com a irmã de Marielle e a mãe dela estava ouvindo. Eu disse que quando for no Rio de Janeiro quero visita-las. O que aconteceu é algo inaceitável pela sociedade brasileira. Uma moça jovem, uma moça que defendia os direitos humanos, uma moça que estava cobrando segurança para o povo carioca e de repente essa moça foi chacinada”, declarou Lula, ao programa Linha de Frente, da Aratu. O ex-presidente foi além.

“Não sei se a polícia está envolvida, também não quero acusar ninguém sem provas. Mas 9 tiros não é uma coisa de amador, é uma coisa de profissional, que foi muito bem pensada. Agora a gente tem que brigar, pressionar para que o estado do Rio de Janeiro, a polícia do Rio de Janeiro, as forças armadas que estão lá não meçam esforços para a gente apurar, pegar os culpados e apresentar para a sociedade brasileira os safados que fizeram isso com uma moça de bem, que apenas cumpria com o trabalho dela de vereadora”.

FIM DO CARLISMO E JAQUES WAGNER

“Acabar com o carlismo aqui e ganhar duas eleições no primeiro turno é obra dele. É obra desse filho de judeu, nascido no Rio de Janeiro, que virou baiano. É uma coisa inédita. Normalmente, o baiano que vira carioca. Posso te dizer que o Wagner é um gênio político. Eu, sinceramente, contribui (para o fim do carlismo) naquilo que tinha que contribuir. Eu até dizia: Wagner, você é meu ministro, você é muito bom aqui, não vá para lá, não. E ele dizia: eu vou pra lá e ganhar. E ganhou. Uma figura com a característica do Wagner pode ser presidente da República. O Wagner é de muita competência política e de muita habilidade política. Eu não sei quando, mas ele é um quadro que eu tenho o mais profundo respeito. Um cara que consegue ganhar duas eleições na Bahia, no primeiro turno, e ainda eleger o sucessor no primeiro turno, é porque tem pedigree de muita qualidade política. O Wagner ainda pode contribuir muito com o Brasil”.

rn

“GUERRA” CONTRA O JUDICIÁRIO

“Eu sou um brasileiro indignado hoje. Sou vítima de um processo político, não judicial. Eu tô sendo condenado porque a Globo mentiu, a Polícia Federal comprou a mentira do jornal O Globo e fez um inquérito mentiroso, o Ministério Público comprou o inquérito mentiroso da Polícia Federal e fez uma denúncia mais mentirosa ainda. E o Moro aceitou, e fez a sentença mais mentirosa ainda. Eu sinceramente não tenho como ter respeito por essa gente que mente descaradamente para o povo brasileiro. Se não tiver crime, por favor, peçam desculpas”.

RUI COSTA

“Eu, sinceramente, estou impressionado com a qualidade e competência política do Rui. Você sabe que eu defendia o José Sérgio Gabrielli candidato a governador da Bahia. Passado algum tempo, Wagner me falou que tinha uma pessoa mais talhada para ser candidato a governador. Ele me convenceu que Rui tinha condições de ganhar. E o Rui é aquela surpresa agradável. Ele é corajoso, ele é competente do ponto de vista gerencial, e é um companheiro que tem feito um governo extraordinário aqui na Bahia.

Ele conta muito a história dele, a história do pai dele, a história da mãe dele… E eu tenho muita identificação, um respeito muito grande.

Eu vejo o Wagner lidar com Rui, ele faz esforço imenso para não criar nenhum problema pro Rui. Pense num ex-governador que não  atrapalha o atual: é Jaques Wagner.

É uma dupla que está fazendo história na Bahia e acho que o Rui tem muita competência e vai se reeleger governador.”

PRISÃO

“Eu acho que ninguém está preparado para a prisão. E eu acho que eu não vou ser preso e não há razão para eu ser preso. Preso deve ser quem cometeu crime. O que estou querendo? É que as instâncias superiores analisem o processo, leiam para saber as mentiras contadas até agora.

Eu posso dizer que os meus acusadores têm menos tranquilidade do que eu. Porque eles sabem que minha tranquilidade é de um inocente. E eles sabem que eles mentiram no processo a meu respeito. E essa verdade vai vir à tona. Eu não quero ser melhor do que ninguém, só não quero ser menor do que ninguém”

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