Principal publicação liberal do mundo chama presidente do Brasil de “Bolsonero” e diz que ele “brinca com pandemia”

Não à toa, a revista inglesa The Economist é considerada a bíblia em defesa do liberalismo em todo o planeta. Desde que foi fundada, em 1843, por um banqueiro, até chegar à sua sofisticada versão digital, os assinantes e leitores são convencidos dos benefícios do livre comércio e de como tarifas e taxações podem ser consideradas a antessala do purgatório corporativo.

Para a The Economist, se Karl Marx é uma encarnação do diabo, os economistas Adam Smith e David Hume são como querubins anunciando um saudável e natural caminho para evolução humana. Pois nesta quarta (25), a revista resumiu o presidente do Brasil como o “Bolsonero”, que brinca com a chegada de uma pandemia ao maior país da América do Sul. (o título original é BolsoNero: Brazil’s president fiddles as a pandemic looms)

A edição com mais de 1,5 milhão de exemplares impressos no mundo diz que os profissionais de saúde que estão lutando contra a doença “precisam se fechar aos sinais de um presidente que continua a menosprezar seus esforços”. Também comenta que o ministro da Economia, Paulo Guedes, praticamente não propôs nenhum novo suporte econômico para o combate à pandemia.

Em determinado trecho, o artigo salienta que facções criminosas das favelas do Rio de Janeiro divulgam a seguinte mensagem por whatsapp: “Se o governo não for capaz de fazer isso acontecer, o crime organizado o fará”. Ao longo dos 177 anos de publicação ininterrupta, poucas vezes se notou uma reportagem tão crítica ao Brasil em The Economist.

 

Abaixo, a íntegra do texto, em tradução livre, sem passar pela aprovação de The Economist:

 

Bolsonero: Presidente do Brasil brinca com uma pandemia

A primeira pessoa a morrer de covid-19 no estado do Rio de Janeiro era uma doméstica de 63 anos que se deslocava semanalmente para um apartamento na praia do Leblon, o bairro mais caro do Brasil. Seu empregador havia retornado recentemente da Itália. A empregada, que tinha diabetes e pressão alta, morreu no dia 17 de março em uma cidade a 100 km (60 milhas), onde ela e cinco parentes dividiam uma casa de blocos de concreto. Vários funcionários do hospital ficaram doentes desde então.

Se o vírus na Itália pula entre gerações vivendo juntas, no Brasil ele começa pulando entre classes, socialmente distantes, mas fisicamente próximas. Um vetor pode ser o presidente populista Jair Bolsonaro. Em 15 de março, depois que seu secretário de comunicação deu positivo para o vírus, ele ignorou as ordens de quarentena e tirou selfies com os fãs. Quando a primeira brasileira morreu de covid-19 no dia seguinte, ele acusou “histeria” em relação ao vírus.

Outros líderes são menos complacentes. Votando remotamente pela primeira vez, os congressistas proclamaram um “estado de calamidade”, que permite ao governo desconsiderar os limites constitucionais de gastos. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, quer gastar pelo menos 400 bilhões de reais (80 bilhões de dólares ou 4% do PIB) para ajudar o sistema de saúde e a economia. 

O ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, não é um ideólogo, ao contrário de muitos de seus colegas de gabinete. Governos municipais e estaduais estão impondo medidas de isolamento – São Paulo e Rio de Janeiro têm bloqueios totais – e transformando estádios de futebol em hospitais. Universidades e laboratórios particulares estão desenvolvendo testes para covid-19. As empresas estão doando materiais para sua produção. A maior cervejaria do Brasil está fazendo álcool em gel.

Mas os operários contra a doença precisam se fechar aos sinais de um presidente que continua a menosprezar seus esforços. Em 25 de março, Bolsonaro ordenou Mandetta parar de pedir distanciamento social em larga escala. Em um discurso televisionado em 24 de março, ele ordenou aos governos locais que abandonassem as estratégias de “terra arrasada” para fechar escolas e lojas e criticou a mídia por espalhar “a sensação de medo”.

No momento em que esse artigo era publicado, o Brasil tinha 59 mortes por covid-19 e 2.554 casos confirmados. Mas o teste tem sido limitado, principalmente, a pacientes no hospital. O número verdadeiro é provavelmente muito maior. Respostas fragmentadas dos governos e do setor privado não evitarão o desastre. 

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Climas quentes como o brasileiro podem retardar a transmissão do vírus, diz um novo estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Caso contrário, “não há fatores atenuantes”, diz Paulo Chapchap, do hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Hospitais particulares como o dele estão sobrecarregados, porque os pacientes atuais tendem a ser pessoas ricas que pegaram a doença no exterior ou seus íntimos. À medida que migra para as massas, pode rapidamente sobrecarregar o sistema de saúde pública, que serve quatro quintos da população.

O sistema universal de saúde do Brasil atende mais pessoas do que qualquer outro sistema totalmente gratuito no mundo, mas o país gasta apenas 3,8% do PIB nele. A Itália gasta 6,7% do PIB; Alemanha, 9,4%. O sistema público do Brasil possui apenas sete leitos hospitalares para tratamento intensivo por 100.000 pessoas, quase todos ocupados por pacientes não cobertos. A demanda por leitos de tratamento intensivo em algumas cidades do exterior se aproximou de 25 por 100.000 durante a pandemia. Mandetta alerta que o sistema pode “entrar em colapso” em Abril.

O Instituto de Estudos de Políticas de Saúde do Rio calcula que o governo precisaria gastar R $ 1 bilhão para cada 1% da população infectada, a fim de tratar todos os casos graves. O governo aprovou cerca de 10 bilhões de reais em gastos extras, um aumento de 10%, mas provavelmente muito pouco. “A previsão é catastrófica”, diz Miguel Lago, diretor do instituto.

Até o governo atingir sua meta de testar 30.000 a 50.000 pessoas por dia, o que pode levar meses, os bloqueios são a única maneira de retardar a transmissão. Isso é especialmente difícil nas favelas. Esses assentamentos informais abrigam 13 milhões dos 211 milhões de habitantes no Brasil, incluindo um quinto das pessoas no Rio. Eles são densamente compactados e muitos não têm água corrente. 

Por enquanto, grupos de base, e não o governo, estão realizando campanhas de saúde pública. Os organizadores da Maré, no Rio, sugerem a quarentena de pacientes com sintomas leves em escolas vazias. Paraisópolis, em São Paulo, planeja mudar moradores mais velhos para mansões alugadas em um distrito arborizado nas proximidades. Ativistas estão dirigindo pelas favelas com alto-falantes, dizendo aos moradores para ficar em casa. Em alguns, os narcotraficantes fecharam os mercados de drogas ao ar livre, cancelaram o baile funk e impuseram toque de recolher. “Se o governo não for capaz de fazer isso acontecer, o crime organizado o fará”, promete uma facção no WhatsApp.

Em muitas favelas, o comércio continua porque as pessoas precisam trabalhar. Apenas um quinto dos residentes tem empregos formais. A maioria são diaristas, vendedores ou empregados domésticos. Eles só podem ficar em casa se o governo pagar, diz Eliana Sousa Silva, da ONG Redes da Maré.

O governo planeja dar aos trabalhadores informais 300 reais por mês durante três meses. Isso pode não ser suficiente. O déficit fiscal do Brasil e a baixa avaliação de crédito impedirão o governo de oferecer um estímulo massivo. Paulo Guedes, ministro da Economia, propôs quase nenhum novo apoio econômico.

À medida que o sofrimento se espalhar, o custo político para Bolsonaro ficará mais claro. Vinte e três pessoas que viajaram com ele para visitar Donald Trump na Flórida este mês deram positivo para o covid-19. Em 13 de março, a Fox News informou que o filho do presidente, Eduardo, disse que seu pai estava com o vírus. Ambos negaram. Um juiz ordenou que o hospital militar de Brasília, capital, publicasse os nomes dos casos confirmados da delegação. Dois nomes ficaram sob sigilo.

Pessoas em bairros ostentosos que votaram em Bolsonaro em 2018 agora estão batendo em panelas e frigideiras em protestos noturnos. Em uma pesquisa, seu índice de aprovação caiu para o ponto mais baixo desde que assumiu o cargo no ano passado. Brincar enquanto uma pandemia se aproxima pode custar-lhe a reeleição em 2022.

Para ler o artigo original, clique aqui.

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