Na Bahia, se você torce pelo rebaixamento do rival, você não é fanático: é só tosco mesmo

Pode começar a xingar. Aliás, xingar antes de ler, só comprova o argumento deste título: você é muito obtuso

Torcer para o rebaixamento do clube rival no futebol não faz de você um torcedor mais fiel e dedicado. Apenas mostra que você é arcaico mesmo. Em outras palavras, se você é tricolor e se flagrou em algum momento neste ano clamando por tropeços sucessivos do “Vicetória” no famigerado Z4, ou se você é rubro negro e quis ardentemente ver o “City da Shopee” caindo pelas tabelas, você está conectado apenas aos instintos primitivos de um cérebro reptiliano.

Você já se pegou querendo que as Obras Sociais de Irmã Dulce perdessem convênios com o SUS? Já fez figa pela extinção total dos tabuleiros de Cira e Dinha? Já quis que a Escola Criativa Olodum ou o trabalho da CAEC sumissem do mapa? Você torce e faz promessa pra Ivete Sangalo não levar o Prêmio Multishow? Acredito que não.

Do mesmo jeito que seria antipático alguém clamando pelo rebaixamento do Hospital Aristides Maltez, da Fundação José Silveira, ou do Teatro Castro Alves, assim deveria ser com o futebol baiano.

Sei que estou falando isso pra doutos advogados, juízes, apaixonados desembargadores. Desculpe, vossa excelência, o senhor é raso demais. Sei que estou escrevendo isso para bem sucedidos empresários, empreendedores com negócios acima de mil colaboradores, executivos que administram faturamentos de bilhões. Desculpe, senhor pessoa jurídica, o senhor tem mentalidade de pobre.

Vamos pegar pelos números, então. O Rio Grande do Sul tem quatro milhões de habitantes a menos que a Bahia e tem a metade da extensão de nosso estado. No entanto, três clubes estão entre os vinte melhores do país. Dois da capital e o Juventude, de Caxias do Sul. Isso tem impacto nas finanças, no PIB, na renda, nos indicadores…

Estamos falando de centenas de milhões de reais em receitas. Como você se sentiria sabendo da falência de uma rede local de supermercados, com 10 lojas sendo fechadas e as consequentes demissões em massa? Pois é. Colocando na contabilidade, é isso que ocorre com o chamado descenso, a degola, que muita gente só gosta de comentar em tons de pilhéria e gozação. É um lodo de rivalidade se acumulando para um pântano do retrocesso.

Para sustentar meus argumentos, fui buscar dados de quem vivencia isso no dia a dia. Ou, para usar outra linguagem, pedi ajuda aos universitários. Renato Gueudeville é especialista em finanças corporativas, consultor, sócio numa empresa de inteligência em negócios e do canal Futebol S/A no youtube. Em resumo, ele tem autoridade em falar de microeconomia e de futebol, separadamente, e, sobretudo, dos dois assuntos juntos.

Liguei pra Gueudeville. Ele acredita que o Vitória vai passar bem de R$200 milhões de receita no ano que vem e que o Bahia deve chegar a R$300 milhões. Tudo isso, ressalvando, que são especulações sem ter acesso ao balanço dos clubes.

O que eu queria mesmo saber era sobre o impacto de uma série B na economia, não só dos clubes, mas do estado. “Um rebaixamento representa, para clubes como Bahia e Vitória, uma redução drástica de R$80milhões a R$100 milhões de um ano para o outro”, calcula Guedevile.

Atenção, senhor cérebro primitivo, ele acabou de informar que uma brincadeirinha chamada rebaixamento tira quase R$ 10 milhões todo mês de nossa já esquálida economia. Sabe uma empresa de duzentos funcionários? A depender de qual seja o setor dela, cabe perfeitamente nesse exemplo aí. Aqueles pênaltis desperdiçados, aquele treinador cabeça-dura, aquela zica interminável. Pronto, caiu, puff, a empresa sumiu…

Na Bahia, se você torce pelo rebaixamento do seu rival, lamento informar, mas você não é fanático: você é só tosco mesmo. Se não quiser se guiar por economia, pode ser pela melhor representatividade estadual, ou por sentimento hedonista de ver mais jogos bons por perto. Ahhhh, veja que termo bacana: por melhor benchmark… A disputa acirrada faz com que o rival precise se desafiar e se melhorar.

Você não precisa fazer vodu para o grupo City se enrascar. Isso você resolve confiando que o Vitória pode articular um modelo de SAF melhor. Você não precisa praguejar ou menosprezar o Barradão. Pode torcer pelo investimento num estádio próprio, ou ter melhores negociações com a Arena Fonte Nova.

Eleve seus instintos mais mesquinhos de fanático para a nobreza de caráter de quem tem mentalidade de rico, e só projeta abundância. Seu mindset ainda está na era de “professor”, agora já migramos pra coach quântico. Você está pensando dentro da caixa, você não está com mentalidade 4.0, você é um jurássico.

Talvez essa sua reação tóxica seja até algo orgânico. O seu neocórtex frontal desliga e, com ele, saem de cena razão, consciência, auto regulação. Aí só resta o sistema límbico mesmo. Então, é isso: esse seu jeito meio ogro de ser não te pertence.

Em tempo, Bahia e Vitória estão garantidos na Série A 2025, junto com Fortaleza, Ceará e Sport. Contra todas as apostas, são cinco nordestinos na elite pela primeira vez nessa modalidade da competição. Ou seja, já vai ter muita gente torcendo contra e fazendo todo tipo de astúcia para impedir isso. Não precisa mais de você, e de seu obsoleto papel de hater. Mas isso é assunto para uma próxima conversa.

P.S.: esse artigo foi escrito por Pablo Reis, torcedor de infância do Atlético de Alagoinhas (ah, como já desejei e torci pela aniquilação da Catuense…)

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