Lula, Aécio, Temer, Dilma; quem é quem em “O Mecanismo”, a série que pode mudar o rumo das eleições 2018

Ao tomar conhecimento do caso entre uma delegada da Polícia Federal e um procurador da República, o personagem principal da série O Mecanismo, disponível desde 23 de março em Netflix, senta no sofá da sala, no meio de ambos ainda de pijama, coloca o vídeo com uma cena de contravenção, pede uma cervejinha: “Gostei de ver aqui a interação entre o Ministério Público e a Polícia Federal“.

Usando esse nível de sarcasmo, a obra criada por José Padilha, 50 anos (diretor de Tropa de Elite e de Narcos), conta os bastidores da Operação Lava Jato. Conta de um jeito que todo mundo é autorizado a entender.

“Esse programa é uma obra de ficção inspirada livremente em eventos reais. Personagens, situações e outros elementos foram adaptados para efeito dramático”. O aviso é prevenção a possíveis ações judiciais, mas dá para identificar, rapidamente, os políticos, empresários, juízes e policiais que ganharam homenagens na tela.

Não se trata de um ataque a esse ou aquele partido; há uma militância explícita… contra todos. Quando os registros dos autos e inquéritos se tornam diálogos e encenações fica mais fácil de captar tudo. A Operação Lava Jato deixa de ser um amontoado de denúncias abstratas e cifras inestimáveis em um telejornal e vira a sucessão de conchavos da vida real. Faz com que perceba que o roubo não é formado por episódios subjetivos, mas tem sempre a digital de gente de carne e osso.

Dá para entender claramente como é agir por conveniência, sustentar atitudes e procedimentos desonestos, por má-fé, por comodidade, por ganância – ou por “projeto de governo”.

Tudo é enquadrado como deve realmente ser: ato depravado de marginais de colarinho branco.rnrn” Ninguém combate o câncer impunemente”, repete o delegado afastado por distúrbio bipolar, Marco Ruffo. Segundo o livro que inspirou o roteiro (“Lava Jato – o juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil”, do jornalista Vladimir Netto), o delegado paranaense que foi o primeiro a investigar o doleiro Alberto Youssef terminou aposentado compulsoriamente e, oficialmente, considerado maluco.

“Ninguém combate o câncer impunemente”, desabafa o sempre deprimido e exausto personagem.

Lula em O Mecanismo

Lula é associado ao presidente João Higino, pelo ator Arthur Kohl

Acessível pelo aplicativo de streaming em, pelo menos, 190 países, a série pode também servir para desmistificar a imagem de importantes políticos brasileiros perante a comunidade internacional. Ajuda a dar a dimensão real de uma investida contra os principais nomes da República. Coloca mais combustível na fogueira de egos do judiciário, mistura de afetos e rivalidades, arrogâncias e intrigas.

“Vamos ensinar ao MP como se monta uma denúncia”, desafia a delegada da PF, lá pelo quarto ou quinto episódio.

O juiz federal Paulo Rigo da série, sempre lacônico nos diálogos, é apontado como “muito vaidoso”. Os ternos escuros e a fisionomia de eterna impaciência criam associação imediata com o magistrado real de Curitiba

Assim como Tropa de Elite, a série explora as frases curtas, capazes de virar bordão. “O Brasil, definitivamente, não é para amadores. As ratazanas de Brasília sempre dão um jeito de parar a gente”. A constatação, tão verdadeira quanto fatalista, é de que o tumor da corrupção – seja nas variantes roubo, jeitinho, picaretagem – está em todo o organismo da sociedade brasileira: é a metástase da democracia. “O Mecanismo está em tudo, do micro ao macro. O sistema se alimenta da corrupção”.

Aécio em O Mecanismo

O senador Aécio Neves é caracterizado pelo personagem Lúcio Lemes

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Significa dizer que, seja aquela atitude do secretário de estado que assina um contrato com uma banda e depois ganha um percentual do show, ou o prefeito que ordena uma obra para ganhar as futuras doações de campanha de uma empreiteira, ninguém está imune ao vírus. Nem adianta mencionar ações que beneficiam  a sociedade, bilhões de investimento e geração de empregos: de boas intenções de políticos o império de satanás está cheio.

O mecanismo que rouba bilhões da Petrobras, ao mesmo tempo, concede privilégios ao doleiro Roberto Ibrahim em plena carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Com a conversa certa e as gorjetas adequadas, é possível ter acesso a celular, promover orgia na cela, ter refeição cinco estrelas.rnrnPagando honorários bem maiores, dá para comemorar a “subida” do processo para o Supremo Tribunal Federal. “Vai todo mundo embora! Foi para o Supremo! Estamos todos livres!”, grita o diretor da Petrobrasil detido na PF. A notícia deixa o doleiro na cela vizinha cheio de motivação e com o eterno meio-riso a postos, de quem vai chafurdar novamente nos corredores palacianos, ladrilhados por pequenos e grandes favores, amizades, propinas, chantagens, canalhices. A interpretação debochada de Enrique Diaz expõe um Youssef leviano, moralmente pervertido.

Dilma em O Mecanismo

A personagem Janete Roscov usa o mesmo prenome que a ex-presidente Dilma Rousseff mantinha na clandestinidade

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Os oito episódios da primeira temporada procuram generalizar as práticas corruptas, sem distinção de partido ou de ideologias. Durante uma gravação de programa eleitoral, o candidato a vice, Samuel Thames, confidencia ao presidente João Higino: “Aquele pessoal de Goiânia não para de me ligar… os açougueiros”. A resposta do político barbudo é motivadora: “Não se preocupa com eles. É gente de confiança, pode receber tranquilamente. Eles vão somar com a gente”.

Em outro momento, o narrador comenta como o país ficou dividido entre dois lados a partir da eleição presidencial de 2014. E constata que ambos os times têm elenco de malfeitores. “Se o brasileiro resolvesse bater panela para tudo de errado que acontece no país, o carnaval não acabava nunca”. Pequenas e grandes hipocrisias se alternam na missão de corroer ainda mais o carcomido tecido social do país.

O livro-reportagem cujos direitos foram comprados para a criação da série foi a obra mais vendida do Brasil em 2016. O trabalho do jornalista Vladimir Netto (filho de Miriam Leitão) dá muita ênfase ao empenho dos policiais e procuradores pela prisão de Marcelo Odebrecht. Em O Mecanismo, Ricardo Brecht paira sobre todos os outros empresários. Ele literalmente nem senta à mesa com os membros do “clube das empreiteiras”. É como um soberano e tem o apelido de “Fidalgo”.

Temer em O Mecanismo

Samuel Thames é o nome do personagem que remete ao então vice-presidente Michel Temer

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A segunda temporada da série foi confirmada e deve começar filmagens ainda em 2018. É possível que os espectadores aproveitem a experiência para uma rápida reflexão sobre as escolhas na eleição de outubro. “Câncer é câncer: se não extirpar logo, ele se espalha”.

 

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