Pense melhor antes de acusar a Alemanha de jogar futebol: pode ser injustiça ao visionário Low

Joachim Low é um gênio. E como é de se esperar, gênios não seguem cartilhas, eles as criam para depois subvertê-las. E a mesma genialidade que fez mal à seleção da Alemanha conseguiu salvá-la no último minuto de jogo, contra a Suécia, nesta Copa do Mundo.

 

A vitória apertada por 2×1 foi muito mais contundente do que o 7×1 no Brasil. Considerado por muitos como resultado do que se chamou “dez minutos de apagão”, com quatro gols. Após aquele episódio, os adversários aprenderam que nenhum blecaute mental fica impune diante dos campeões do mundo. Todos entram em campo tão ligados, com a concentração e o foco faiscando em cada bola cortada para a lateral, ou cada cobertura de um cruzamento na área.

 

Aos 58 anos, Low é um dos profissionais do futebol (entre os que não entram em campo) melhor remunerados no planeta. Ganha 4 milhões de euros por ano (equivalente a 16 milhões de reais). Para efeito de comparação, o executivo mais bem pago do Japão é o franco-brasileiro Carlos Ghosn, presidente da Nissan, que embolsou, em 2014, 21 milhões de reais. Low está equiparado a um alto executivo de multinacional.

 

Esqueça a imagem caricata do treinador

 

Aquele que entrega camisas aos titulares no vestiário, define os cobradores de falta e concede entrevistas informando se autoriza ou não sexo durante as competições. Os técnicos do futebol profissional moderno se inspiram em histórias de CEOs e nas mais avançadas estratégias de gestão para comandar suas mini corporações de 80 a 140 colaboradores.

 

A imprensa esportiva, míope como sempre, costuma enxergar Low como um excêntrico cheirador de bolinhas de muco do nariz ou das partes íntimas, emoldurado com um cabelo que parece saído de um filme do Sgt Peppers. O quinto beatle é um grande técnico sem nunca ter sido um grande jogador. É apontado na Alemanha como “revolucionário”.

Um dos (muitos) flagrantes de Low e seus odores inapropriados

Depois de ser assistente por dois anos, assumiu a função principal em 2006, após a equipe ter sido terceiro lugar, em casa. Reformulou totalmente o conceito de trabalho, investindo nas divisões de base. Se ele desistir hoje, ao final da Copa, e ninguém talentoso assumir, é garantido que a Alemanha terá boas equipes até o Mundial de 2026, pelo menos.

 

Joachim Low e Beethoven

Com dez minutos da partida, a Suécia tinha dado 6 passes, enquanto os germânicos tocaram 122 vezes a bola. Cento e vinte duas vezes! Se as grandes seleções praticam o bom futebol, a Alemanha joga outra coisa. Nesse ponto, melhor comparar Low a Beethoven, o compositor, deixando que os maestros sejam aqueles em campo (o quase infalível Kroos, o múltiplo Neuer e o obelisco Boateng, o intransponível). Por que ele é um gênio que prejudicou a Alemanha?

 

Aos 24 minutos, com ampla vantagem tática e técnica, o meio-de-campo Rudy sai de campo com o nariz sangrando e suspeita de fratura. O óbvio é a substituição imediata, ninguém quer ficar com um atleta escoriado em campo e, pior ainda, passar momentos com um a menos. Low diz à equipe médica para usarem o tempo necessário para imobilizar e recuperar o jogador. Passam-se longos sete minutos para concluírem pela substituição, período suficiente para a Suécia transformar superioridade numérica em gol, em cima de uma rara falha de Tony Kroos.

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A vitória parcial da Suécia não tinha qualquer amparo estatístico.

 

No primeiro tempo, Alemanha ficou 73% com a bola sob seus domínios.

Muito da solidariedade aos alemães não vem do que tradicionalmente se chama carisma. Não surge pelo jeito descontraído que eles tocam pagode, ou por alguma comemoração de gol coreografada, nem mesmo por eles terem algum tipo de encanto tropical. É muito mais uma admiração pela ética, pela dedicação e pela eficiência.

Sabe-se já muito sobre os institutos e universidades que promovem cursos sobre ética (nos negócios, nos relacionamentos, no esporte, na ciência) na Alemanha. Agora, precisa-se estudar como isso reverbera em exemplo no planeta.

Nas arquibancadas, isso parece surgir como uma reverência. Onze que entram em campo recebendo o máximo respeito. Com um jogador a menos a poucos minutos do fim da partida, o que se esperaria do óbvio era uma solução conservadora, uma tentativa de sustentar um empate. Low coloca mais um atacante, desafia a si mesmo, coloca o cargo em risco, beija os lábios da musa das eliminações prematuras. O resto virou epopeia.

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