Eduardo Leite é o millennial que quer salvar o Brasil do trauma da reeleição

Se você fosse governador de um estado, como chegaria para entrevistas em outro ponto distante do Brasil, um dia depois de apertar as mãos do novo acionista majoritário da empresa de energia elétrica estatal, após o certame na Bolsa para venda da companhia? Se você for Eduardo Leite, mais jovem governador do Brasil, chegará para uma entrevista na Aratu, em Salvador, a 3100km de distância do Palácio Piratini (sede do Executivo gaúcho), com um ar disposto, confiante, barba bem aparada, máscara branca com o emblema do Rio Grande do Sul, e um mesmo aperto de mão seguro. Nada de soco com soco, convencionado como o cumprimento oficial entre cavalheiros durante a pandemia.

Chegará informando que foi um sucesso negociar por R$2,67 bilhões, para a CPFL Energia, os 66% das ações nominativas que pertenciam ao estado. O lance inicial era de R$1,7 bilhão, o que representou um ágio superior a 57%. O restante das 34% pertencem à Eletrobrás.

Você estará desembarcando pós uma cruzada vitoriosa, em sua visão, contra o inimigo do estado volumoso mamute pesado (seria ele os mouros do mal ou moinhos de vento?). Com a expressão de quem tinha vencido uma prévia, agora, Leite estava mais cacifado nacionalmente para buscar o que considera seu próprio pódio olímpico: a presidência da República.

Com 36 anos de idade, o gaúcho de Pelotas foi alçado ao debate nacional não exatamente pela sanha privatista, ou por acertos (elogiados por defensores) e erros (criticados por opositores de esquerda) no combate à pandemia, mas por desdobramentos da declaração de orientação sexual no programa Conversa com Bial em 1° de julho, portanto, três semanas após esse encontro. Sobre isso, falaremos mais tarde.

Naquele mesmo dia, horas antes, a B3, principal bolsa de valores do país, executou o leilão 01/2021. Era a consumação da jornada de articulações, que envolveu até a aprovação de uma emenda pela Assembleia Legislativa que extinguiu a necessidade de plebiscito para qualquer privatização no estado. Sim, o Rio Grande do Sul era a única unidade federativa do Brasil em que qualquer venda de patrimônio público precisava passar por aprovação popular.

A reação, da oposição, de parte da mídia, e até do Tribunal de Contas, parecia capaz de acuar o governador. Mesmo assim, Eduardo Leite venceu: “Por que você não pode ter privatização e inclusão social? Não são excludentes. O dinheiro da venda da companhia elétrica vai entrar no estado e vai virar investimento no que interessa mais pra população. Em termos de infraestrutura, ao mesmo tempo investimento em ampliar hospitais e reformar escolas”, enumera.

“O Estado é pra orientar, regular, não pra operar o sistema. Um exemplo é a telefonia privatizada pelo PSDB.”

Há uma máxima política que diz que a presidência do país nunca pode ser uma meta individual, ao contrário de uma prefeitura municipal, que pode ser alcançada com a combinação de esforço + carisma + articulação. O chefe do Executivo nacional, na totalidade das vezes, é alçado ao cargo por uma combinação de fatores, pelo humor nacional, pelo contexto internacional, por alianças, por carisma, e muito de sorte. O talento e a capacidade política, quase sempre, não são os mais decisivos na balança.

O millennial de Nizan

Para muitos, não é uma questão de SE Eduardo Leite chega ao Planalto, mas de QUANDO.

Apetite e habilidade pra isso ele demonstrou que tem. A ascensão de presidente da Câmara de Pelotas a presidenciável foi tão rápida quanto João Doria soletrando A-CE-LE-RA.

Entre os que colocam fichas do cassino político na aposta Leite, está o baiano cidadão do mundo Nizan Guanaes. Ele não esconde dos mais próximos que voltou a se empolgar com o xadrez da política nacional depois de ouvir – e passar a interagir com – o governador do Rio Grande do Sul. “Ele vai longe”, ou variações dessa frase, é o que o empresário e influenciador costuma disparar para amigos em mensagens, acompanhadas de links com entrevistas e observações. Essa espécie de “escuta ativa” poderia até resultar na possibilidade de uma eventual candidatura de Nizan (fato já cogitado em pleitos anteriores). Mas ele nega com convicção peremptória e quase eterna (até chegar ao momento em que, talvez, não negará mais).

Para alguém que alimenta a própria criatividade com novidades, como Guanaes, o fato de Leite ser o mais jovem governador em exercício já seria um menu completo. Quando ele agregou ao cardápio o discurso liberal na economia e nos costumes, virou jantar de gala. “O que eu tenho de mais diferente dos outros é que sou o único millennial”, compara ele, usando a nomenclatura dedicada a quem nasceu a partir da década de 1980. “Ser millennial não me torna melhor que ninguém, mas também não aceito que seja considerado pior. Uma característica dos jovens, que eu me considero, é não ter compromisso com os erros do passado”.

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O dia 1461

É agora que vamos falar sobre um erro do passado. Muita gente enxerga a cruzada de Eduardo Leite como uma campanha contra a intolerância ou para fortalecer minorias e direitos à igualdade. Talvez, na composição da jornada do herói que ele empreende, sua contribuição seja a de acabar com o advento da reeleição num país em que os eleitos pensam menos em realizar os sonhos dos eleitores e mais em materializar os próprios anseios.

Com a reeleição, na prática, o que ocorre é que no dia 1 de mandato o eleito já está buscando artimanhas para viabilizar o dia 1461, que seria o primeiro de um segundo mandato, após quatro anos de gestão.

Cravar uma estaca de madeira no coração desse símbolo da imortalidade talvez não seja pouca missão e pode transformar em cinzas o instrumento que vampiriza ainda mais a democracia. Num momento de pane no microfone, durante a entrevista, o experiente ex-deputado constituinte Jutahy Magalhães Junior (oito mandatos no Congresso) sopra: “pelo fim da reeleição”.

Leite se define como um parlamentarista e, com alguma relutância, considera ter sido um erro a emenda que permitiu a reeleição para quem já estivesse no próprio exercício do cargo. A resistência em admitir, mesmo quando perguntado pelo jornalista Matheus Carvalho, é também uma tentativa de não ferir suscetibilidades do ex-presidente e eminência parda do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, que muitos consideram como o titereiro da sigla (90 anos de idade, recém completados). Foi dele a ideia de manobrar a mudança constitucional para viabilizar um segundo mandato.

Leite faz um contorcionismo para justificar a atitude do então presidente FHC que articulou uma maioria no Congresso (às custas do que muitos dizem ter sido compra de votos) para a aprovação. “É preciso ver que naquele momento o candidato Lula tinha propostas que colocariam em risco várias conquistas do país. Eram ameaças que não foram implementadas quando Lula foi eleito”, alega o político, buscando entender a atitude tomada quando ele tinha 12 anos de idade, em 1997.

A quem argumenta que a maior democracia do mundo experimenta, há um bom tempo, o instrumento da reeleição, ele contrapõe: nos EUA, todos falam que há um mandato de oito anos para o presidente, apenas com um plebiscito no meio para referendar a continuidade.

 

Ninho de Tucanos

Além de Juthay Jr, a entourage baiana inclui o deputado federal Adolfo Viana Neto e o estadual Tiago Correia, todos eles bem próximos a ACM Neto. Sobre o ex-prefeito de Salvador, Leite só tem elogios e admiração públicos. “É o exemplo que eu acho que deve ser político é gestor”.

Dali a poucas horas, ambos se encontrariam, portas fechadas para uma conversa entre dois nomes nacionais, enquanto outros 28 convidados aguardavam o início de um jantar na mesa espaçosa do apartamento de João Gualberto, o prefeito de Mata de São João, que já foi o presidente estadual do PSDB. Não chegaram a comentar o teor do diálogo, mas, certamente, não ficaram apenas em elogios mútuos. Quem perguntou a Neto sobre uma aliança nacional, ouviu dele que era muito cedo para imaginar que o millennial iria conseguir convencer os tucanos de mais plumagens mais maduras.

Muitos de 36 anos de idade estavam, naquele mesmo embalo de sexta à noite, se preparando para as primeiras raves do período de flexibilização pandêmica. O governador estava articulando reuniões e jantares em Salvador e já planejando a ida para Alagoas no domingo. E a volta para Porto Alegre, na sequência. “Ainda sou governador, preciso prestar contas aos meus patrões”, avisou, confirmando o temor por um incêndio, 48h antes, na sede da Secretaria de Segurança Pública gaúcha. Dois bombeiros morreram e os corpos só foram encontrados, nos escombros, uma semana depois. O governador decretou luto oficial de três dias.

Talvez, para grande parte do eleitorado, explicitar a orientação sexual não seja um terreno tão movediço quanto expor, por antecipação, a vocação para medidas consideradas impopulares: privatizações e extermínio da estabilidade do servidor público, por exemplo.

Sobre o segundo tema, saca o argumento de ser filho de servidores federais (pai e mãe professores da UFPEL), o irmão mais velho como delegado da Polícia Federal, o outro fiscal do Ministério da Agricultura – todos admitidos por concurso público. “É importante ter um certo nível de proteção para que o servidor não seja afetado pela mudança de governos. Mas a gente vive no serviço público uma situação que desestimula os bons servidores porque se você se esforçar você não é recompensado e se você for relapso, não será punido”, decreta. “No modelo atual, o bom servidor não tem recompensas: há uma certeza de falta de consequências e uma certeza de não premiação”.

Assista o governador falando sobre privatizações:

A limusine do Papa

Uma cena de bastidor, vinte e cinco minutos após esta declaração sobre o serviço público, entrevista encerrada. Com assessores avisando sobre a sequência de compromissos e agendamentos, assédio de políticos e de outros jornalistas, Leite vira para o deputado estadual Tiago Correia. “Tiago, soube que você é veterinário…” “Sim, isso mesmo!” “De animais grandes ou pequenos?” “Dos grandes, gosto bastante de cavalos…” Ao que se seguiu uma conversa sobre os equinos crioulos do sul do Brasil e também um convite para participar da Expointer, na cidade de Esteio, considerada entre as maiores exposições agropecuárias do país.

Como você se sentiria se um presidenciável demonstrasse interesse real por seu trabalho? Talvez, um segredo para pavimentar o caminho do crescimento na política seja prestar atenção nos detalhes.

Outra cena de bastidor. Entre os espectadores que aguardavam um momento para cumprimentar o governador, estava o prefeito de Itamaraju, cidade com 65 mil habitantes, do extremo sul da Bahia. Marcelo Angenica, o Doutor Marcelo, percorreu os 750 km até a capital para saudar e tirar uma foto com o presidenciável. Na vez dele, não havia assessor para acionar o smartphone no melhor ângulo.

A CEO do Grupo Aratu, Ana Coelho, outra millennial, se ofereceu para registrar as fotos, ao que Leite reagiu: “Se a presidente da empresa está segurando a câmera, é sinal de prestígio”. E emendou com a anedota de que o papa sempre quis dirigir uma limusine e pediu o volante ao chofer. Ao chegar no Vaticano, o segurança autorizou que ele entrasse, mas depois recebeu uma bronca por não ter verificado quem estava no banco traseiro. “Se o papa era o motorista, nem quis imaginar quem seria o passageiro”, contou, para risos de quem estava próximo.

A executiva foi outra que, como Nizan, terminou o jantar positivamente surpreendida: “Além de simpático e carismático, ele demonstra conhecimento de teoria e prática política”, resumiu Ana Coelho.

A prática política, ou a pragmática política, faz com que ele considere que o chamado Centrão pode habitar no mesmo recinto que a democracia, mas desde que a troca com seja feita por moedas republicanas, não por cargos, emendas ou dinheiro vivo. Leite cita, por exemplo, a relação com a deputada Luciana Genro (PSOL), em que ele garante que tem pautas convergentes, como as questões de igualdade de gênero e defesa das minorias. Ela é das vozes mais críticas e ativas contra o atual governo gaúcho, sempre disposta a repetir que o governador “traiu a população”, ao negociar as vendas das estatais de água e saneamento (Corsan), energia (CEEE), Mineração (CRM) e gás (Sulgás).

Eduardo Leite e a CEO da Aratu, Ana Coelho, ao centro, e o jornalista Matheus Carvalho, à direita

Situação dramática, solução antipática

Aliás, foram esses mesmos os motivos que fizeram ele ser detonado no canal do Youtube Galãs Feios, de viés esquerdista, como “mais ordinário do que bonitinho”, ou “praticante da necropolítica”, ou “um Bolsonaro que sabe usar os talheres corretamente”. A pauta Bolsonaro ainda deve acompanhar o governador gaúcho por um bom tempo, mesmo ele tentando se desassociar do presidente. O fato de ter declarado voto e expressado otimismo no início do governo federal são temas recorrentes. Considera que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, faz bom trabalho, mas reclama do menor orçamento para a pasta dos últimos anos. E acha que o ministro da Economia é boicotado. “Paulo Guedes não tem respaldo do presidente da República. Ele não acredita na privatização, não banca reforma administrativa, por exemplo”, critica, como alguém que acabou de atravessar o front, recebendo artilharia da oposição. “Sobre reforma administrativa, não existe solução simpática para uma situação dramática”.

Ainda sobre o presidente da República, a divergência vira uma questão de ordem quando o tema é voto impresso ou auditável. Ele considera que seja um assunto que pode até ser debatido, mas não se for pautado por Bolsonaro. Para Leite, a intenção maior é melar o campeonato e não chegar a uma fórmula justa de disputa. E para tentar ainda mais se caracterizar como a chamada terceira via, o governador busca incluir o Partido dos Trabalhadores na mesma cotação, como se fossem cara e coroa da moeda eleitoral.

“O PT, infelizmente, com seu discurso ao longo da história e com o governo do ex-presidente Lula, gerou um terreno fértil para que surgisse o Bolsonaro. Sempre dizendo que do lado deles estavam os honestos, e nós vimos que não é bem assim. O PT sempre quis exclusividade sobre as pautas, como se eles fossem os únicos a se importarem com os mais pobres”.

Naquele momento, coloquei que muitos dos detratores do PSDB (não apenas petistas) afirmam o contrário, que teria sido o não reconhecimento inicial da eleição de Dilma, pelo derrotado Aécio Neves, que gerou o acirramento, a polarização. Hábil e sem querer criticar publicamente o ex-senador e ex-governador mineiro, Leite disse que a contestação foi feita pelos trâmites instituídos.

Veja entrevista completa de Eduardo Leite ao Linha de Frente, da Aratu:

Novo Collor?

Jovem, na casa dos 30, boa pinta, governador de um estado fora do eixo Rio-São Paulo, com a simpatia de fatia importante dos detentores do PIB nacional… é inevitável fazer uma associação com a trajetória de Fernando Collor de Mello, o alagoano, prefeito, governador e presidente, antes de completar 40 anos. Sobre isso, Leite tem consciência de que comparações podem surgir, e já está buscando demonstrar o que tem de diferente dos outros.

Será que falar sobre a orientação sexual está nesse pacote?

“Foi uma decisão que eu tomei, de falar sobre isso, independentemente do processo eleitoral. Ao contrário do que diz o presidente, não é uma tentativa de impor minha visão. Eu disse que sou gay, não que era para as outras pessoas serem gays. Quero uma política de igualdade, de respeito. Sempre atuei a favor disso, e não só, mas de políticas raciais, por exemplo. Comecei a falar sobre isso porque se desenha um cenário inicial de eleições, e se eu deixasse para falar mais tarde, aí sim, ia parecer oportunismo”.

Resta saber se, nesse diálogo com o eleitor, o assunto orientação sexual é o início de uma longa conversa ou é apenas o fim do papo. Quem tratou com Eduardo Leite garante: ele está cheio de assunto.

 

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